quinta-feira, 15 de dezembro de 2011


O sangue a esvair-se de um corpo ainda quente, ainda mole, ainda humano. Não haja ilusões, está morto. Fui eu que o matei. Nesta viela escura, lúgubre e fria, tudo está morto. A chuva escorre pelas paredes de tijolo dos prédios, segue o seu rumo, o seu rumo como o sangue. Ambos correm para a sarjeta, ambos escorrem para o esquecimento. Misturam-se numa alquimia fatalista, de pleno, de tudo. Alvejei-o à queima roupa e fiquei a ver a vida a escorrer com a água e com o sangue para fora do seu corpo e até à sarjeta. Nada mais existe agora, tudo está morto, esquecido. Não tenho uma razão especial para desprover este pobre ente de vida. Hoje acordei com este capricho, apeteceu-me. Estou ensopado, não só em chuva, em prazer, em energia eterna... Sou tomado por um êxtase de prazer, sou um deus preso no corpo de um homem, sou eterno. Todo o mundo parou, toda a concepção do mundano está congelada. A vida, a morte, a falta de sentido da vida. Somos iguais, eu em pé, à chuva num êxtase de prazer divino, ele, desamparado com cheiro a morte com a chuva a escoar o resto do seu sangue. A vida e a morte a menos de três metros de distância, a discrepância de poder, de possibilidades, a igualdade do ridículo, do inocente. Toda a concepção do que é, do que foi, do que irá ser destruída e engolida por uma qualquer sarjeta, numa qualquer viela, numa qualquer cidade, num qualquer país, num qualquer mundo. Que mundo? O mundo não existe, não existe a realidade, o tempo. Ajeito o chapéu, aperto o casaco, vou para casa, afinal de contas é apenas mais uma terça-feira...

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