terça-feira, 13 de dezembro de 2011


Tenho em mim os hábitos de outra pessoa, traços no rosto que não são meus. A minha mente é outra, longe daqui. As minhas roupas, o meu cabelo, a minha pele... Estão impregnados de um cheiro que não me pertence mas que já foi meu. Tenho os vícios do meu vício, os maneirismos de outrem, os hábitos de outros tempos. Quebram-se tradições, é disso que se trata, distanciar-se do que nos era instintivo. Vivo um outro alguém que vive em mim, que já partiu. O que eu sou é uma simbiose, uma metamorfose conjunta, uma crescimento uno de um par. Fomos crianças, mas a inocência há muito foi perdida, duas crianças quase adultas que cresceram juntas e agora bifurcam o seu caminho. Não consigo descascar esta pele, esfolar a alma desta carapaça alheia, lavar a réstia do toque, esquecer o som das palavras. Reproduzo o que foi em mil rasgos oníricos e memórias, tento sem sucesso sair daqui. A semântica dos sons atinge agora proporções meteóricas e sou atingido sem me conseguir defender. Comes-me por dentro, quando já saíste. É tão fácil confundir dois entes e tomá-los por um no momento de distracção lírico e inocente. A realidade não espera por ti rapaz, avançou e deixou-te ao sabor da tua própria solidão, nu neste mundo frio que fustiga as extremidades com ferocidade de besta. Peregrinemos então por caminhos diferentes, talvez no encontremos mais à frente no fado.


(Hoje é tudo o que consigo dar, tempos mais brilhantes virão, com a centelha da criação bem viva.)

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