quarta-feira, 25 de janeiro de 2012



Nós governamos o mundo. Somos omnipotentes e omnipresentes. Estamos em todo o lado e o nosso poder é ilimitado. Artifícios infinitos, recursos intermináveis. Fugimos, corremos sem olhar para trás - perseguidos. Os nosso actos são calculados nanomilimétricamente e têm objectivo bem definido, alvo designado. Desviamo-nos das balas, balas essas às quais tantas vezes demos o corpo. Somos inconsequentes e desestruturados, não temos pés nem cabeça - andamos e pensamos no entanto. As nossas mãos calejadas da pena, sujas da tinta, suadas da emoção são o futuro do mundo - e tantas previsões fazem. Os vaticínios, as profecias - todas elas já passadas - acumulam-se em cima da nossa mesa de trabalho. Somos messias sem rosto, os mais ilustres e importantes desconhecidos, as sombras na engrenagem da humanidade, os bastidores da metafísica. E para onde havemos nós de ir? O que havemos de fazer? Somos só isto, só isto e nada mais. Lá fora está frio e a previsão meteorológica não oferece esperança de melhora. Chuva para toda a eternidade - talvez nem isso. E aqui estamos nós, homens do tempo, humildes e incógnitos. Poetas. Poetas esquecidos... Ou melhor, nunca lembrados. Mas que importa? O óleo é sempre o elemento mais sujo da máquina. Põe-se um aqui problema, apesar de desprezível, sem óleo a máquina emperra.



Sim, amanhã vai chover.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012



Pira fúnebre.
O cheiro a carne queimada,
Fumo negro.
Os corpos ardem noite fora.


Há muito se perdeu a conta.
A conta de quantos são,

De quantos ardem naquela pilha de morte.
Os corpos ardem noite dentro.

Ninguém os carregou até ali,
Caminharam todos de livre vontade até aquele mórbido local,
Caminharam numa bicha interminável.
Os corpos iluminam a noite.

Não nós preocupemos com luz,
A gordura imunda e decadente é círio.
E quanto mais gordos e atrofiados, mais fogo emanam.
Os corpos conspurcam o ar da noite.

Foi para este momento que engordaram toda a vida,

Para esta pira lúgubre,
Este amontoado triste, fatal, final.

Os corpos arderão até de manhã.

O Sol não nascerá...



terça-feira, 10 de janeiro de 2012



Hoje não há tempo para fatalismos.
Tempo não o há para filosofias já mortas.
Estou cansado, quero dormir.

Fecho os olhos e uma corrente de metafísica,
Fecho os olhos e morro.
Morro apenas para viver amanhã.
É um ciclo, e nada pára a engrenagem.

A água corre e move o moinho.
E o moinho mói...
Mói-me a alma, mói-me o ser,
Mói-me a vida.

Mas isso é hoje.
Vou dormir,
Morrer.
Mas só para viver o próximo dia.

domingo, 8 de janeiro de 2012



A cobardia na estoicidade.
O medo da forma, mas não do conteúdo.

A consciência do fim,
A inocência do mesmo.

Um "Vê lá se és fulminado por um raio...".
Tom profético e irónico,
Revestido de ameaça.
Uma morte anunciada por um profeta de segunda.

O Pensador e o seu papel.
Um actor sem falas, um figurante.
Talvez um espectador,
Quiçá o encenador.

São perigosas estas comparações.
É suposto existir um poço deontológico.
Um poço entre deuses e homens,
Entre o perecível e o eterno.

Jornadas que nunca acabam,
Mas que nunca levam a lado algum.
O topo da montanha é a sua base.
Vivemos do ciclo.

Se olharmos para cima talvez vejamos os nossos pés,
Vemo-nos a olhar para cima,
Para os nossos pés,
Para cima.

Não sou a mais ínfima matéria.
Podia lançar-me com toda a inércia da minha massa.
Lançar-me contra a metafísica, que nada aconteceria.
A minha existência é ridícula, insignificante, sem sentido.

Sou fatalidade.

Sou o Homem.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012



Essas pernas de fada.
Essas pernas de pecado.
Essas pernas de infâmia.
A perdição, no seu essencial...


Perco-me em ti,
Perco-me nas tuas pernas,
Perco-me no teu sexo.
O fim último de tudo.


És o Sol quando nasce,
És o Sol que aquece,
És o Sol quando se põe,
E em toda a tua magnificência, explodes.


Explodes-me à queima-roupa,
Explodes-me com esse decote,
Explodes-me com... ai essas pernas...
Divindade em forma de Diabo.


Encontro-te à noite,
Encontro-te de dia;
Encontro-te à tarde.
E muito de mim em ti conheço.


Pulsões ocultas,
Pulsões eróticas,
Pulsões obsessivas.
E todo o sexo és tu, e toda tu és sexo.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012


Um copo com um tilintar gelado
Vai e vem, vai e vem...
E eu aqui sentado
De copo na mão.

Já fui eterno na efemeridade,
A efemeridade ridícula de tudo o que é.
A existência.
O todo.

Mas coloco-me agora no epicentro da mancha laranja,
Escrevo relembrando o passado,
Escrevo adivinhando o futuro,
Não sou nada.


O gelo derrete no copo.
O martini adoça-me a boca,
Adoça-me a vida.
O gelo derrete como eu.

O degelo perante o impotente contemplar
Dos olhos humanos,
Da centelha da vida.
O frio, a liquefação, o fim.