sábado, 25 de maio de 2013






A catarse surreal cai-me, com todo o imenso peso, nos ombros. E eu caio para trás na cadeira que construí com aparos oníricos de outros mundo - nos quais vivi, nos quais o cárcere é tudo o que existe, nos quais deambulo, condenado pelos corredores, que, apesar de darem ar de livres, são corredores de morte - mutados pelo artifício de um génio-mente que actua de dentro para fora: mas não no mundo de fora, no de dentro.

Os olhos correm rapidamente em movimentos erráticos e crescem exponencialmente na cara, até serem a única coisa que existe. Dois olhos num vácuo surreal de mónadas infinitas e infinitamente ininteligíveis.

Pinto estes sonhos de azul preto, de azul Universo - mas quando dou por mim, estou com os olhos fechados na cadeira, estou com os olhos aprisionados na cadeira.

Os carros buzinam lá fora, e os cavalos que puxam os pesadamente velhos carros de guerra, relincham cá dentro. (O carro-sol de Apolo, segue desgovernado como a nau da consciência funcional.)

Um dos muitos mundo é eleito pela sua verosimilhança: mas as questões que se põem noutros universos, passam por tentar saber o que é a verdade, e o que é a semelhança.

A verdade é que a ilusão tudo toma: não existe espaço nem tempo, nem universos. O que existe são mentes decadentistas. Decadentes. Ridículas. Amarradas a cadeiras de rodas perpétuas que se perpetuam em movimentos perpétuamente perpétuos, que não andam e que estão condenadas a uma permanência metafísica em metafísicos hospícios, onde todos os oníricos poetas pensadores existem sem existir, e julgam uma realidade transcendente, que não entendem, e, que apesar de não existir, opera mentes como um mecanismo de relógio de cuco sádico, no cérebro, onde a explosão de lâminas-fénix é eminente e inevitável.

O céu platónico rasga-se e todas as ideias escorrem irreparavelmente para o abismo.

Mas, em boa verdade digo, que estás coisas, das quais falo, nada têm que ver com os soluçados, cortados e suspensos frames da sozinha-no-centro-de-uma-sala-abandonada televisão. E esses, sim, encerram a verdade toda: ou pelo menos a que importa - pelo menos tanto como qualquer outra.

quarta-feira, 1 de maio de 2013




Completa-se o círculo. O espelho olha-se em mim numa melancolia sem fim. A chuva deixou de cair. Já não existe um deus nem um senhor, não existe um sábio - embora, por vezes, o possamos ouvir falar lá nos pátios em volta da igreja, no largo onde todas as crianças brincaram, onde as beatas se fumam pelas velhas beatas, que depois se esfumam. Os sábados são aprazíveis. Um refresco na esplanada num terraço sobre o nada. Os miradouros de Lisboa respiram azul e branco. E ela sorri para mim. O seu rosto eclipsa-se em transparência e ficam só os dentes, brancos, emoldurados pelos lábios cor de vinho que me desviam do caminho e me distraem da brisa que passa. O bloco dorme em cima da mesinha de ferro fundido com entrelaçados trabalhados, e a caneta espera melhores dias para deixar jorrar a tinta no incauto preto de folhas brancas. Os carros desenham Beethoven ou Ravel, já não sei bem. A minha memória não é o que era. Não é o que foi. As tertúlias à mesa, o copo na mesa, os copos na mesa. Uns meio cheios, outros meio vazios, mas todos eles sem horas, sem demoras, sem pressas. Não sabemos nada, mas falamos de tudo - é bom, serve para distrair. Pétalas de rosa murchas e desbotadas voam como água. Todas as ruas exalam agora um pueril aroma pseudo-floral. Cheira a morte mais uma vez. É domingo e ostenta-se renda preta. O cheiro dos churrascos envergonhados, que se escondem por entre as voltas da cidade, apaga-se e dá lugar à chuva. As vozes calam-se - mas nunca as nossas. Como se o tempo não tivesse parado, continuamos. O tempo parou, mas com ele não levou o movimento (as pétalas fluem). O cheiro a café é inebriante e atinge-me na cara. Tenho sono. Gostava de ter mais tempo, não tenho. O pior não é o fatalismo, é o espaço que ele ocupa na bagagem. Andamos de um lado para o outro, como se ignorássemos o inquilino que torna pesadas as rodas dentadas de vidas passadas e acabadas, que são só nadas nos quais tu nadas e nunca te enfadas, ou talvez te enfades nadando e voes andado, metafisiques pensando. Águas passadas. Prosseguimos para outro porto. Chegamos, ambientamo-nos à cidade, vagueamos pelas ruas e vemos as mulheres nuas. São belas, mas não são telas. Quanto muito, tintas, aguarelas. E nós pintamos, pintamos porque gostamos. Somos boémios diletantes, bestas dilacerantes, artistas delirantes. Expresso da Esquizofrenia. Depois voltamos para o barco, mas nunca partimos. Ficamos no porto e vamos saindo e entrando, pela noite, pela calada da noite. Namoramos ao luar, sob o vinho, sobre o vinho. Rimos da morte e da sorte. "A sorte é engano!", dizia na parede de pedra. Quem sabe? Talvez seja mesmo. Pronto, provavelmente é-o. E a Rua dos Cegos, pela qual todos deambulamos, está hoje vazia. Retiramos as faixas dos olhos e estão cheias de sangue negro. Vimos demais. E os olhos são duas mónadas, cheias com tudo. Nunca saímos dos cafés, das mesas cheias de tudo. O tecto da cidade cai-nos em cima. Não estou mais aqui, estou em todo o lado, corro por todas as ruas, por todos os becos e romarias. Conheço todos os meus pares e estou sozinho. Porque a verdade é que nunca saí de dentro de mim e todas as ruas são projecções das calçadas que levo dentro. E todos os rostos sorriem porque isso me apraz. As ruas estão vazias.