segunda-feira, 9 de abril de 2012


Não sei quem quero ser. O poeta é parco nos vaticínios. É assim que deve ser. Ele não tem objectivos definidos, gostos vincados, interesses idiossincráticos... És nómada no pensamento, nómada nos amores, nómada nas acções, nos gestos, nos pensamentos. Nómada. Não vives em lugar definido e não queres amarras, não tens porto. Sois nau que navega à vista, que cruza os mares sem destino. São conquistadores, messias sem seguidores, são peregrinos eternos e etéreos. Somos deuses, somos o topo. São demónios, são o fundo. O futuro é vago em promessas, o mistério a descortinar, o enigma sem importância. És mais uma aranha no emaranhado da teia, desta grande teia. Os fios entrecruzam-se. Para que ponta me encaminho? Sou ermita, sou nómada, sou poeta, sou nau, sou conquistador, sou messias, sou peregrino, sou deus, sou demónio. Sou a aranha que arquitecta esta grande teia. Sou o criador, e ainda tenho o tinteiro bem cheio e a pena bem afiada.

quarta-feira, 4 de abril de 2012


A cidade estava deserta. Nas ruas ouvia-se o silêncio mais puro, que sussurrava em todas as esquinas e por entre os edifícios. O sibilar da solidão propagava-se por toda a natureza morta que compunha a cidade, uma selva urbana de cinzentos, vermelhos e ocres. Tudo era puramente funcional, o racionalismo em forma arquitectónica. Grandes fachadas envidraçadas olhavam o silêncio de cima, contemplavam aquele vazio ridículo - diga-se com sinceridade que as grandes metrópoles sem ninguém teriam um aspecto despropositado e sobejamente ridículo. O Sol batia os muros de maneira enviesada, a obliquidade da luz dava uma certa beleza ao betão e transmitia uma serenidade de fim de tarde de Verão.

Ele acordou, desceu ao plano onde este aglomerado morto se encontrava e contemplou. Contemplou a vastidão do vácuo humano que se lhe apresentava. Parou durante uns segundos e ficou a perscrutar aquela cidade de aspecto tão modernista - vazia. Caminhou pelas ruas, subiu aos muros, inspeccionou as esquinas. Estava sozinho, tinha a certeza. Onde teria ido toda a gente? Que estranho fenómeno teria eclipsado todos aqueles entes? Cada movimento, cada respiração, cada passada ecoava por toda a eternidade de betão. Pensou que talvez se tratasse de um sonho. Tentou acordar. Não conseguiu. Estava genuinamente sozinho.
A solidão era agridoce e veiculava sentimentos mistos e contrastantes. Todo aquele vazio transmitia uma calma nunca antes sentida, aquele silêncio agradava-o, permitia-lhe ouvir os seus pensamentos com clareza, os seus sentidos pareciam mais aguçados... Mas também era fria. E toda a gente sabe que nós - raça humana - gostamos de calor.


Deitou-se no cimento morno e olhou para o céu onde o sol o encandeava, fechou os olhos e adormeceu.